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Crescendo bilíngue

No que consiste a Educação Infantil por imersão bilíngue?

A expressão “educação bilíngue por imersão” ganhou notoriedade pela primeira vez nos anos 60, no Canadá, quando passou a ser utilizada para descrever programas inovadores, nos quais o francês era utilizado como língua de instrução de crianças falantes do inglês. Tais programas foram os primeiros a ser alvo de estudos e pesquisas de longo prazo. Quando o programa de imersão é aplicado nos anos da Educação Infantil, ele é considerado um “early immersion program”, o qual, segundo estudos, é o modelo que apresenta os melhores resultados no que diz respeito à aquisição da segunda língua, no qual as crianças têm a maior chance de adquirir proficiência equivalente à de um nativo.

Os programas de imersão bilíngue são caracterizados por apresentarem três características básicas – os “bilingual immersion A, B, Cs”:

Academic Performance – foco na performance acadêmica, sendo o currículo da segunda língua integrado ao da primeira língua;

Bilingualism and Biliteracy – bilinguismo e biletramento;

Cultural Competence – valorização da cultura local e da diversidade cultural promovida pelas diferentes línguas e povos.


A criança não pode ficar confusa em relação a sua língua mãe?

Para que a aquisição da segunda língua seja benéfica à criança, o bilinguismo tem que ser aditivo (additive bilingualism), ou seja, que ele não aconteça em detrimento à aquisição da língua mãe. O que os estudos mostram é que, no caso do bilinguismo aditivo, o desenvolvimento das habilidades envolvidas não trazem consequências negativas ao desenvolvimento acadêmico, linguístico, nem intelectual da criança; pelo contrário, trazem inúmeras vantagens.

Acredito que o que pode, por vezes, levantar a dúvida sobre uma possível confusão na criança é o fato de, durante a aquisição da segunda língua, as crianças, frequentemente, utilizarem os dois idiomas na mesma frase, ou na construção de uma mesma ideia. Entretanto, este fenômeno é completamente normal no contexto de uma criança bilíngue, uma vez que ela passa a possuir recursos linguísticos em mais de uma língua e seu conhecimento é partilhado por essas línguas. Essa troca entre os idiomas é descrita na literatura como “translanguaging” e não deve ser vista como um problema ou como uma confusão mental ou linguística.


Como funciona a relação da criança que é ensinada desta forma, com os pais que não são fluentes em língua inglesa?

A relação da criança com a família permanece a mesma, na qual o vínculo é e continua a ser estabelecido através da língua mãe, e este é essencial à formação da criança.

O fato de a família não ser proficiente no inglês não implica em nenhuma dificuldade maior à aquisição da segunda língua pela criança, muito menos deve ser tida como um fator impeditivo para que as crianças frequentem programas de imersão. Neste caso, a responsabilidade do ensino da segunda língua recai sobre a escola, e não sobre a família.


Quais as premissas da pedagogia montessoriana?

Maria Montessori enxergava as crianças como seres potentes e competentes, capazes de conduzir seu próprio aprendizado, e que se desenvolvem e pensam de maneira diferente dos adultos. Ela acreditava que crianças a partir do nascimento até os seis anos, possuem motivação ilimitada para aprender, e que cabe ao educador observar a interação da criança com o ambiente e se utilizar disso para orientar sua prática e desenvolver o currículo. Desta forma, os ambientes de aprendizado devem ser intencionalmente organizados para despertar na criança o desejo pelo saber, a possibilidade de exercitar escolhas e fazer descobertas, além de permitir o desenvolvimento de sua autonomia.


Que referenciais das pré-escolas italianas de Reggio Emilia você vai aplicar aqui em Caxias do Sul?

O educador Loris Malaguzzi – pai da filosofia educacional de Reggio Emilia, descreveu em um belo poema chamado Invece il cento c’è o cerne dos referenciais Reggianos.

"A criança é feita de cem.

A criança tem cem mãos

cem pensamentos

cem modo de pensar de jogar e de falar.

Cem sempre cem

modos de escutar,

de maravilhar de amar.

Cem alegrias para cantar e compreender.

Cem mundos para descobrir.

Cem mundos para inventar.

Cem mundos para sonhar.

A criança tem cem linguagens

(e depois cem cem cem)

mas roubaram-lhe noventa e nove.


A escola e a cultura

lhe separam a cabeça do corpo.

Dizem-lhe:

de pensar sem as mãos

de fazer sem a cabeça

de escutar e de não falar

de compreender sem alegrias

de amar e de maravilhar-se

só na Páscoa e no Natal.

Dizem-lhe:

de descobrir um mundo que já existe

e de cem roubaram-lhe noventa e nove.

Dizem-lhe:

que o jogo e o trabalho

a realidade e a fantasia

a ciência e a imaginação

o céu e a terra

a razão e o sonho

são coisas que não estão juntas.

Dizem-lhe enfim:

que as cem não existem.

A criança diz:

ao contrário, as cem existem."

Assim, os referencias que serão aplicados em Caxias do Sul são os do respeito e valorização das cem linguagens da criança, e os da pedagogia da escuta, onde o educador atua como facilitador do aprendizado que é protagonizado pela própria criança.


“A Global Village traz uma proposta sócio-construtivista que tem como pilares a descoberta e a experimentação (STEM – Science, Technology, Engineering and Math), a arte e o contato com a natureza”. Como a aplicação destes princípios vai funcionar na prática nas rotinas das crianças que participarem da Global Village?

A descoberta, a experimentação, a arte e o contato com a natureza estarão presentes no cotidiano e em todas as atividades da escola. Quando as crianças fazem um pão na cozinha experimental da escola, por exemplo, elas separam os ingredientes e materiais necessários, quebram os ovos, misturam a farinha, veem os ingredientes formando uma massa homogênea, amassam a massa, esperam crescer, colocam no forno, esperam assar, e por fim degustam sua produção. Em um processo aparentemente simples, como o de fazer um pão, as crianças se encantam, experimentam, descobrem e entendem processos.

Da mesma forma, quando elas observam diferentes folhas de árvores que trouxeram de casa ou coletaram no pátio da escola, sobre a mesa iluminada, elas descobrem linhas que não estavam ali visíveis normalmente, e se arriscam a replicar essas linhas em novos formatos de folhas que passam a ser sua criação. E da folha individual criada por cada aluno, constroem uma mandala de folhas, por exemplo, do grupo. E, a partir de um olhar mais cuidadoso sobre esta mandala, passam a entender o papel essencial de cada parte sobre o todo. E por aí vai...

Com o uso de materiais simples e não estruturados, possibilitaremos às crianças criar, descobrir, experimentar e se expressar nas mais diversas linguagens artísticas, de forma a cada uma conseguir identificar e desenvolver suas habilidades e competências, tornando-se seres capazes, autônomos, confiantes, curiosos e, sobretudo, felizes.


Qual o país referência para a educação infantil bilíngue?

Difícil eleger somente um país como referência. Diversos países fazem trabalhos belíssimos de imersão bilíngue com diferentes focos, em função de sua realidade política, cultural e histórica.

No estado americano do Havaí, por exemplo, os programas de imersão foram responsáveis pela revitalização da língua havaiana que, no início da década de 80, era falada por somente 35 crianças, e corria sério risco de ser extinta. O fortalecimento de línguas indígenas ameaçadas de extinção também é mérito de programas de imersão de diversos estados americanos e algumas províncias canadenses. Ainda sobre o Canadá, estudos realizados em programas de imersão da província de Quebec, oferecem dados valiosos sobre esse modelo educacional. A Irlanda é outro país que investe em programas de imersão para a manutenção do irlandês, com o objetivo de manter a cultura original do país viva. A Flórida é outro estado americano que tem exemplos importantes de imersão, tendo como objetivo a acolhida à população imigrante e a manutenção da cultura deste povo.


Quais os benefícios que uma educação bilíngue pode agregar à vida de uma pessoa a longo prazo?

A educação bilíngue contribui não somente para a carreira profissional e para a prontidão para cursar uma faculdade, mas, também, para o desenvolvimento do indivíduo, uma vez que estudantes bilíngues passam a ter uma nova visão de mundo, mais entusiástica. Jovens bilíngues passam a entender o mundo melhor e a serem mais respeitosos com as diferenças, uma vez que passam a conhecer pessoas de outras culturas, que falam outras línguas, mas que compartilham dos mesmos sonhos. Acredito somente ser possível compreender de fato como outras pessoas e culturas enxergam o mundo, se soubermos nos comunicar de maneira proficiente com elas.

Mas, as vantagens de uma educação bilíngue vão muito além do posicionamento social e econômico da língua inglesa no mundo. Diversos estudos mostram que o cérebro bilíngue é mais flexível, mais ágil e mais versátil. Há evidências de que crianças bilíngues se tornam adultos mais tolerantes e acolhedores, e que pessoas bilíngues experienciam o tempo de forma diferente, dependendo do contexto linguístico em que se encontram. Isso porque, o domínio da segunda língua provoca modificações na região cerebral, que é considerada como a base de processos cognitivos complexos, como o raciocínio, a planificação ou a flexibilidade mental - o córtex pré-frontal - o qual também desempenha papel importante no controle emocional e na construção da personalidade.


Hoje sabemos que já estão sendo desenvolvidos e lançados softwares de tradução simultânea. Saber outras línguas será realmente necessário no futuro se teremos máquinas que farão isso por nós?

A tecnologia e os aplicativos de tradução nos prestam um serviço de grande valia, tornando possíveis comunicações que anos atrás eram impensáveis, em função da barreira linguística. Entretanto, esses instrumentos têm limites, e jamais substituirão o saber de outras línguas. O multilinguismo nos torna mais competentes.


(entrevista concedida à revista NOI edição novembro/2017)


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